Doçura no Teu Olhar
Capítulo 5
No domingo, precisando de uma palavra amiga, Miguel fala com João, uma vez que, também o amigo passou por dúvidas e momentos conturbados, por isso, é a pessoa indicada para o ouvir e entender.
- Olá João, boa tarde, como estás?
- Tudo bem, e tu?
- Vou andando – desabafa. – Estou a incomodar-te?
– Miguel sabe que o amigo ainda está em modo lua-de-mel com a sua amada esposa e não quer interromper a tarde de domingo.
- Claro que não incomodas, que disparate é esse?
- Não quero interromper nada entre ti e a Rita.
- O que se passa contigo? Estás a precisar de falar, meu amigo. E que tal passares cá por casa e falamos um pouco?
- Não sei, a sério, não te quero incomodar.
- Não digas asneiras. Quando começares a incomodar, mando-te embora – João ri.
- Acho que vou aceitar a tua oferta.
- Estou à tua espera.
Meia hora depois, João está a abrir a porta de casa. Miguel cumprimenta o amigo e a seguir Rita.
- Olá Rita, desculpa vir incomodar-vos, mas preciso falar com o João sobre uns assuntos – Miguel não quer referir de que assuntos se trata.
- Olá Miguel, estás à vontade, não te preocupes – Rita sorri-lhe para o tranquilizar, mas no seu sorriso ele percebe que ela sabe de que assuntos ele precisa de falar. – João, vou estar ocupada também, por isso, se precisares de alguma coisa, vou estar na sala de jogos – e com um sorriso para o
marido, transmite-lhe alguma mensagem que João entende na perfeição, mas deixa Miguel à toa.
- Sim, querida. Eu vou para o escritório com o Miguel. Até já.
- Até já.
Miguel e João dirigem-se para o escritório, onde se sentam confortavelmente.
- Então conta-me lá o que se passa contigo – incita João.
- O que se passa comigo chama-se Sara.
- Eu já imaginava. Como correu o vosso jantar de sexta-feira?
- Melhor do que possas imaginar. Já sabes que ela aceitou ir comigo ao Porto para o tal congresso.
- Sim, isso já sei desde o almoço de quinta-feira. Eu percebi que ela aceitou e que tu arranjaste logo forma de a convidar para jantar com o pretexto de combinarem a ida ao Porto.
- Pois, isso mesmo. Entretanto, propus-lhe prolongarmos a nossa estadia no Porto por mais duas noites e aproveitarmos para dar uma volta pela cidade e, ao contrário do que eu estava à espera, ela aceitou sem grandes hesitações.
- Isso é óptimo! Então qual é o problema?
- Lembras-te quando, na segunda-feira, no fim da festa, me disseste para ter cuidado com a Sara porque ela tinha ficado mal, desde o fim da relação com aquele idiota, com quem ela andava?
- Sim, claro que me lembro e continuo a dizer-te o mesmo.
- Só quero que me digas, se souberes, o que aconteceu.
- Lamento não poder ajudar-te. Digamos que eu não estava tão próximo dela ou com tanto acesso a informação como estou neste momento. A única coisa que sei é que a separação foi repentina e que a deixou de rastos, mas, tal como no caso da Rita, elas não falam sobre o assunto, a não ser entre elas.
- Era o que eu temia.
- Ouve Miguel, eu tive o mesmo problema em relação à Rita. Algo se tinha passado e ninguém me dizia o que era. Só no momento em que ela decidiu confiar em mim e contar-me, é que eu pude ter acesso à informação e ajudá-la. Acho que o mesmo se passa com a Sara e, se eu as conheço bem, nenhuma delas vai revelar o que quer que seja, nem mesmo eu conseguirei arrancar essa informação à Rita.
- Pois…
- O que pensas fazer? Quais são os teus planos?
- Vou ser sincero contigo. Tu sabes que eu sempre achei a Sara muito interessante e, embora tenhamos andado os dois com outras pessoas, ela sempre foi a mulher que eu quis. Nos primeiros anos, ainda disse a mim mesmo que tinha que a deixar em paz porque ela era uma miúda, mas quando ela fez vinte anos, para mim, tornou-se numa mulher, ou melhor, transformou-se “na” mulher que eu quero. Não sei por que razão ela me tem resistido tanto, mas eu não me
dei, nem darei, por vencido até a conquistar e sinto que ela está a vacilar. Aliás, já me aproximei mais do que imaginava que iria conseguir – Miguel faz uma pausa, como se os pensamentos que lhe invadem a mente lhe tivessem retirado a capacidade de falar, até que por fim, retoma. - Eu beijei-a na sexta-feira e depois foi ela que me beijou, mas a tristeza que lhe vejo e sinto, deixa-me à toa. Não sei o que se passa ou como devo agir para chegar até ela, percebes?
- Percebo-te perfeitamente. Tu acompanhaste a minha história com a Rita e sabes como as coisas foram complicadas.
- Eu sei, por isso é que vim falar contigo. Eu sabia que tu serias capaz de me entender.
- Eu entendo-te, só não sei é se conseguirei ajudar-te.
- Só por me ouvires já me estás a ajudar.
- Vou ouvir-te sempre que precisares. Agora só te posso dizer a mesma coisa que tu ou o Filipe me disseram em determinado momento. “Tens que manter a cabeça fria e, se achas que a Sara é a mulher pela qual vale a pena lutar, então luta”. Peço-te para não a magoares mais, é só o que te peço, como teu amigo e como amigo dela.
- Não te preocupes, vou ser extremamente cuidadoso e a última coisa que quero é magoá-la mais do que ela já está. Obrigado por me ouvires.
- É para isso que servem os amigos. Já fizeste o mesmo por mim inúmeras vezes.
Mantêm-se mais alguns minutos a conversar no escritório, até que resolvem instalar-se na sala. Miguel quer esperar que Rita volte, do que quer que a mantém ocupada, para se despedir, antes de ir embora, por isso, fica a conversar com João.
Enquanto os dois amigos falavam no escritório, Rita recebeu uma visita, que lhe ligou alguns minutos antes de Miguel chegar, a pedir alguns minutos para conversarem.
Assim, por ironia do destino, enquanto João falou com Miguel no escritório, Rita recebeu e falou com Sara na sala de jogos sem que um soubesse da presença do outro, na mesma casa.
Mal Rita abriu a porta a Sara, pôde ver como a amiga precisava de falar. Sara foi recebida por um abraço carregado de carinho que a fez perder o controlo e, as lágrimas que tem vindo a conter, correram-lhe livremente pelo rosto.
Rita, alarmada pelo estado emocional de Sara, conduziu-a de imediato para a privacidade da sala de jogos pois, não queria que Miguel saísse do escritório a qualquer momento e visse Sara naquele estado.
Assim que se instalam confortavelmente, Rita incita-a a falar.
- Oh Sara, o que se passa? Estás a deixar-me preocupada.
- Desculpa Rita, não queria vir estragar o teu domingo, ainda por cima, vir para aqui chorar.
- Não digas disparates. Conta-me o que se passa.
- Sinto-me tão confusa… o Miguel está a baralhar-me, por completo.
- Porquê? Ele magoou-te ou fez alguma coisa que não devia?
- Não, não, de todo. Ele tem sido extremamente carinhoso e atencioso e isso está a mexer profundamente comigo. Está a afectar-me de uma maneira que nunca pensei ser possível em relação ao Miguel.
- Oh Sara, mas isso é bom! Estás a sentir-te atraída por ele, o que é normal, tendo em conta todo o charme que ele te dedica, e estás finalmente a voltar a estar viva e a sentir. Qual é o problema?
- Ele beijou-me na sexta-feira – Sara faz uma pausa – e, antes de sair do carro, quando ele me foi deixar em casa, eu beijei-o.
- E o que é que sentiste em relação a isso?
- Senti-me desejada e, naquele momento, foi maravilhoso, mas depois… - Sara volta a fazer uma pausa, na qual, Rita se mantém em silêncio – depois entrei em casa e acho que fiz uma grande asneira. O Miguel é meu amigo e não quero perder a amizade dele.
- Não precisas de o fazer. Vocês só têm que ser sinceros um com o outro. Ponham as cartas em cima da mesa e esclareçam o que querem um do outro. Se concluírem que estão em sintonia, avançam e depois só o futuro dirá o que vai acontecer.
- Tenho medo… - estas são as palavras que revelam tudo.
- Não podes continuar com esse medo. Esse medo está a impedir-te de viver. Nem todos os homens são canalhas e, tu conheces o Miguel bem melhor do que eu, não me parece que o Miguel seja esse tipo de homem.
- Não sei o que pensar – declara Sara.
- Esse deve ser o teu problema. Olha, o João costuma dizer-me que o meu problema é pensar demais e acho que, neste momento, sofres do mesmo mal.
- E se as coisas entre nós não resultarem, o que acontece depois? Eu não estou preparada para voltar a sofrer outra desilusão.
- Nunca saberás se vai resultar, se não tentares. Eu não sei se vou ser feliz para sempre com o João, mas só por tudo o que temos vivido, já vale a pena ter tentado. Se não te permitires tentar, nunca conseguirás ser feliz.
Rita abraça a amiga e mantém-na abraçada por alguns momentos, ao fim dos quais continua.
- Sara, diz-me uma coisa. Tu és feliz neste momento? Responde com toda a sinceridade.
- Nem por isso – acaba ela por responder.
- E foste feliz neste último ano?
- Acho que não.
- Então, o que pode piorar em relação ao que tens vivido nos últimos tempos? Na pior das hipóteses, tudo se mantém como está, na melhor das hipóteses aceitas que o Miguel te faça feliz. Qual é a dúvida?
- Fazes com que tudo pareça tão simples – refere Sara.
- E é simples, nós é que temos a mania de complicar.
- E se as coisas entre nós não resultarem?
- E se resultarem? – insiste Rita.
- Mas se não resultarem, já pensaste no estrago que pode fazer no grupo todo?
- Cada coisa a seu tempo. “Se” não resultarem, arranjaremos forma de tratar desse assunto. Entre mim e o João, também poderiam não ter resultado e todas vocês me incentivaram a seguir em frente.
- Sim, mas, neste momento, com o vosso casamento, o grupo está unido de uma forma diferente – contrapõe Sara.
- Já pensaste que, o que estás a dizer, também se aplica a mim? Se eu e o João nos zangarmos, vai influenciar todo o grupo e o que achas que eu vou fazer em relação a isso?
Sara fita Rita.
- Amiga, vou continuar a fazer tudo para ser feliz ao lado dele e é o que tu tens que fazer também. Não arranjes desculpas para evitar algo que pode mudar a tua vida. Estás a ser parva.
- A Beatriz também me disse, mais ou menos, o mesmo.
- Estás a ver, já somos duas a dizer-te o mesmo. Tenho a certeza que a Cristina também concorda connosco, por isso, não nos vais dizer que estamos todas erradas.
- Não, não vou.
- Sara, não deixes o medo governar a tua vida. Luta para seres feliz.
Novas lágrimas rolam pelo rosto de Sara. As palavras de Rita comoveram-na e ela sabe que também esta amiga tem razão e que está preocupada com a sua felicidade.
- Eu vou com o Miguel ao Porto. Ele propôs-me prolongar a estadia pelo fim-de-semana para visitarmos a cidade e eu aceitei.
- Boa! – exclama Rita, mostrando como gostou de saber desta decisão.
Sara limita-se a encolher os ombros e um leve sorriso aflora-lhe aos lábios.
- Não sei o que pensar ou sentir em relação a tudo isso. Ele fez-me a proposta, eu recordei as palavras de Beatriz e, num impulso, aceitei. Só depois, em casa, sozinha, ponderei em tudo e pus tudo em causa.
- Ou seja, puseste-te a pensar. Deixa-te disso. Tens é que pensar em tudo o que precisas de levar para o Porto.
Não te esqueças de levar lingerie sexy – Rita não resiste a provocá-la.
- Ah, parvalhona. Eu não me deito com um homem mal o conheço.
- Acho bem. Felizmente já conheces o Miguel há dez anos.
- Pois, lá isso é verdade – Sara ri com o descaramento de Rita.
Rita arranja conversa durante mais uns minutos para que Sara recupere das lágrimas pois, imagina que quando chegarem à sala, João e Miguel lá estarão à sua espera e, como não faz tenção de prevenir Sara quanto à presença de Miguel lá em casa, pelo menos, quer que ela esteja recomposta. Rita sabe que João também não terá prevenido Miguel, por isso, a surpresa, que espera seja agradável, será para ambos.
E assim, passados esses minutos, com uma conversa divertida e com um estado de espirito bastante diferente do que apresentava quando chegou, saem as duas da sala de jogos e dirigem-se à sala.
- Bom, quero só dar um beijo ao João e vou-me embora. Não vos quero atrapalhar – são as palavras de Sara quando entra na sala.
João, sempre atento a todos os pormenores, ouviu a porta da sala de jogos ser aberta e, colocado numa posição que lhe permite ver, tanto Miguel, como Sara, observa as reacções de ambos.
Miguel, ao ouvir vozes, levanta-se do sofá onde tem estado sentado e, no momento em que se depara com Sara, ali à sua frente, primeiro é a surpresa que o domina, mas, logo de seguida, um sorriso rasga-se no seu rosto e, com toda a confiança, percorre a distância que os separa, coloca uma mão no cotovelo dela e dá-lhe um beijo demorado na face, desejando continuar o beijo com que se separaram da última vez que estiveram juntos.
- Mas que bela e agradável surpresa!
A surpresa deixa Sara sem palavras e a sentir as pernas trémulas. O toque dos lábios dele na sua face provoca-lhe um arrepio, ao mesmo tempo que a sua respiração acelera.
- Miguel… - consegue ela balbuciar.
- Não sabia que vinhas até cá, senão podíamos ter vindo juntos.
- Não estava a contar vir, foi um acaso – tenta Sara explicar, tentando que ele não perceba o verdadeiro motivo que a levou ali.
- Comigo também. Que belo acaso – Miguel mostra-se descontraído, como é seu costume, embora, no seu íntimo, haja alguma dose de nervos e ansiedade que ele teima em esconder e controlar.
Para Sara, a surpresa deixou-a atónita e, por momentos, não sabe como reagir.
João, sentindo a atrapalhação da amiga, resolve ajudá-la e aproxima-se dela, dá-lhe um abraço e um beijo na face.
- Olá Sara, como estás? – cumprimenta-a divertido, ao mesmo tempo que lança um olhar a Rita que, com um leve assentimento, lhe confirma as suas suspeitas.
- Olá João, desculpa a intromissão e não te ter cumprimentado quando cheguei. Percebi que estavas acompanhado, mas não sabia que era com o Miguel, caso contrário, teria ido ao escritório dar um beijo a cada um de vocês.
- Não penses nisso. Fico feliz por os dois terem vindo fazer-nos uma visita. Assim dá para conversarmos um pouco. Vocês sabem como eu gosto de vos ter aqui em casa – diz João.
- Eu também já lhe disse isso – completa Rita. – E que tal se ficarem e jantamos todos juntos.
- Não, eu já me ia embora – recusa Sara, com vontade de sair dali para recuperar do impacto que a presença de Miguel lhe causou.
- Porquê? Tens mais alguma coisa combinada? – insiste Rita, enquanto repara na forma como Miguel olha para Sara, à espera da resposta.
- Não, mas vocês ainda estão em lua-de-mel – brinca Sara.
- E faço tenções de continuar assim por muito tempo com a minha esposa linda, o que não nos impedirá de passar tempo com os nossos amigos, ainda por cima, quando nos dão a felicidade de nos visitarem em casa – entretanto, João puxou Rita para os seus braços, apertou-a contra si e beijou-a apaixonadamente.
- Bom, com esses argumentos, acho que a Sara não vai conseguir recusar e eu também não – Miguel acaba por aceitar o convite, levando Sara a fazer o mesmo e percebendo o estratagema dos amigos.
- Vá lá Sara, não me vais dizer que não, por favor – pede Rita.
- Bom, está bem, eu aceito o convite – acaba ela por concordar.
E assim, quando Sara e Miguel se preparavam para se despedirem e irem embora, os seus planos são alterados, por força do destino e com um empurrão dos amigos.
Na primeira oportunidade a sós, Sara tem vontade de estrangular Rita.
- Tu és impossível. Por que é que não me avisaste? – sussurra, para que Miguel não ouça.
- Eu não tinha a certeza se ele ainda cá estava, por isso, não te quis dar falsas informações. Ele podia já ter ido embora e então não valia a pena estares a ficar ansiosa.
- Que engraçadinha que tu és – Sara vê claramente o jogo de Rita.
- Garanto-te que foi pura coincidência. Vocês telefonaram com minutos de diferença e, claro que, nem eu nem o João vos iriamos dizer para não virem – após uma pausa, Rita opina. – Acho que é um sinal do destino.
- Pára Rita. Assim ainda fico mais confusa.
- Não tens que ficar confusa. Estás, em primeiro lugar, entre amigos que só te querem bem, em segundo lugar, ao pé do homem que está doido por te conquistar e, em terceiro lugar, vais aproveitar tudo isso. Combinado?
- Sim, senhora – Sara acaba por descontrair e vai tentar seguir os conselhos da amiga.
Um pouco afastados, Miguel não perde a oportunidade de trocar umas palavrinhas com João.
- Obrigado, meu amiguinho, por me teres prevenido. Por momentos, achei que ia morrer. Depois de tudo o que falámos, deparar-me com ela aqui, deixou-me paralisado.
- Não quis estragar a surpresa, mas olha que, para paralisado, deslizaste muito bem e rapidamente até ela.
- Fico feliz por te ter proporcionado um momento de alegria, a ti e à tua querida esposa que, pelo que percebi, também não avisou a amiga. Belo par que vocês me saíram. Pelo que vejo, estão mesmo muito bem um para o outro.
- Não tenhas a menor dúvida – João está divertido com a atrapalhação do amigo.
Não há dúvida que uma mulher especial é capaz de transformar o mais sensato dos homens, no mais tolo.
João ri quando vê no amigo, tudo o que ele deve ter feito, dito e passado, não há muito tempo, por Rita. Na época, Miguel e Filipe aproveitaram-se da sua condição de homem apaixonado e provocaram-no de todas as formas possíveis e, agora, apesar de se rever em Miguel, é a sua vez de se vingar e retribuir e, ele não vai desperdiçar a oportunidade de o fazer com Miguel. A seu tempo, também Filipe terá a sua dose.
- Agora, para castigo, vais ter que nos aturar ao jantar, em vez de estares sozinho com a tua esposa.
- Temos todo o prazer em vos ter aqui, garanto-te. Vai ser bom para nós ver-vos aos dois, juntos, a tentarem dissimular o interesse mútuo que sentem.
Miguel sabe que o amigo o compreende, mas também sabe que João não vai desperdiçar nenhuma oportunidade de lhe devolver todas as provocações a que foi sujeito.
Os próximos tempos avizinham-se animados.
Apesar da surpresa e do choque inicial por se encontrarem os dois, ali em casa dos amigos, com a ajuda deles, Sara e Miguel descontraíram e aproveitaram o resto da tarde e o jantar. Não houve espaço para constrangimentos. Os vários anos de amizade acabam por impedir que qualquer sentimento desagradável se instale e é com naturalidade e diversão que passam o tempo.
Quando, por fim, chega a hora da despedida, já junto aos carros, Miguel aproxima-se de Sara e, apesar da vontade que sente por saborear aqueles lábios que ele já conhece o sabor, dá-lhe um beijo na face.
- Seria mais agradável se fôssemos juntos, no mesmo carro, mas como não é possível, vou atrás de ti.
- Não é preciso, eu não bebi demais, estou bem.
- É uma forma de te acompanhar e eu gosto de te acompanhar.
- Como quiseres.
- Podemos jantar na quarta-feira?
- Porquê Miguel?
- Porque eu gosto da tua companhia e porque somos amigos.
Sara hesita enquanto olha para Miguel, na dúvida quanto à resposta a dar. Mais uma vez, as palavras de Beatriz e, agora também as de Rita, vêm à sua mente.
- Está bem, jantamos na quarta-feira. Diz-me onde e a que horas e eu vou lá ter.
- Não, eu vou buscar-te a casa às vinte horas – no sorriso de Miguel, Sara vê que ele não pretende ser contrariado.
Apesar do ar descontraído e divertido com que ele leva a vida, Sara sabe que, à semelhança dos amigos, ele também é autoritário, embora essa sua faceta apareça poucas vezes. Hoje, no entanto, Sara sentiu-a e resolveu não o contrariar.
- Então está bem, se tu insistes, “desta vez”, - Sara frisa bem que não será sempre assim – podes ir buscar-me.
- Muito bem, meu doce.
- Pára de me chamar isso. Já te pedi milhares de vezes. Não me irrites.
- Eu sei que já te irritei das mais diversas formas, mas quero que saibas que, cada vez que te chamei de “meu doce” ou “minha doçura”, estava a ser o mais sincero possível. Tu, para mim, és uma pessoa doce, é dessa forma que eu te vejo. Seria incapaz de usar estes termos para te irritar.
Miguel está a poucos centímetros de Sara quando profere estas palavras e ela sabe que ele está a ser sincero. Sem forças para continuar a resistir à vontade que teve, durante toda a tarde e noite, de a tomar nos braços e saboreá-la, Miguel anula o espaço que os separa, coloca um braço na cintura dela segurando-a com firmeza e apodera-se da boca que mais deseja, de uma forma tão intensa que chega a doer.
Sara deixa-se envolver e, passados uns breves instantes, entrega-se e abre-se àquele beijo, permitindo a Miguel entrar para uma dança sensual de línguas que os deixa sem fôlego.
Quando, por fim, as bocas se separam, Miguel encosta a testa à de Sara e, tentando acalmar o coração e a respiração, murmura-lhe com a voz rouca, mantendo-a nos braços.
- Meu doce…
Sara perdeu o pouco controlo que ainda tinha sobre as suas emoções e a única coisa que sabe é que, neste momento, não quer deixar de sentir aqueles braços à sua volta, que a acarinham, seguram e protegem, por isso, aconchega-se àquele corpo enquanto, também ela, espera que o coração e a respiração atinjam o seu ritmo normal.
Não querendo abordar o assunto neste momento, em que estão ambos a caminho de casa e em que Sara conseguirá arranjar facilmente uma escapatória, quando sente que ela se acalmou e recompôs, tenta agir como se não tivessem acabado de trocar um beijo cheio de paixão. Afasta-se lentamente, criando um indesejado espaço entre os dois, dá-lhe um beijo na face e termina a noite.
- Sara, vai para casa. Precisas de descansar. Até quarta-feira.
- Miguel…
- Vai para casa e dorme, meu doce.
Miguel não a deixa falar sobre o que acabou de acontecer, temendo a reacção dela. Na sua cabeça, se não falarem, tudo se mantém como está e ela não poderá terminar o que ainda nem começou. Por outro lado, sem palavras, ficam apenas os sentimentos na memória e ele sabe que ela recordará aquele beijo que ele tem a certeza que ela gostou, tanto ou mais do que ele. Foi adorável a forma como ele sentiu e recebeu a entrega dela.
Sara entende a atitude de Miguel e, em silêncio, agradece-lhe por não terem que trocar qualquer palavra neste momento. Aquele beijo foi um bálsamo para as suas feridas e ela quer, pelo menos por agora, guardar aquela memória, sem qualquer palavra que possa maculá-la.
E desta forma, Sara segue para casa, com Miguel a segui-la, garantindo que ela chega em segurança, apesar de todas as emoções que teve nas últimas horas e, ele tem a certeza que foram muitas.
Ao chegar a casa, Miguel está satisfeito com o rumo dos acontecimentos. A tarde e a noite não poderiam ter sido um presente melhor. Ele sabe como Sara está perturbada com a alteração que ele quer fazer na relação de ambos, mas a forma como ela se entregou àquele beijo e como ficou alterada, mostra-lhe como ela também não lhe fica indiferente.
Por tudo isto, e porque cada vez mais ele a deseja, está decidido a continuar a sua sedução e conquista até a arrebatar por completo.
Não muito longe de Miguel, Sara está deitada na sua cama a rever tudo o que aconteceu desde que decidiu ir falar com Rita. O encontro, o resto da tarde, o jantar e a despedida. A despedida deitou por terra os últimos resquícios da sua resistência. Sentir-se envolta naqueles braços, ao mesmo tempo que a sua boca era devorada, deixam-na com o cérebro às voltas, mas com um sorriso de felicidade como ela não tinha há demasiado tempo. Talvez as suas amigas tenham razão e ela deva dar-se uma oportunidade de ser feliz. Com um misto de ansiedade e felicidade e, com a recordação de Miguel a beijá-la, acaba por adormecer tranquilamente.