Doçura no Teu Olhar

Capítulo 4

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Na sexta-feira, a meio da manhã, Miguel resolve enviar uma mensagem a Sara, combinando a hora do encontro para o jantar.


Para: Sara

De: Miguel


Olá Sara, vou buscar-te a casa às vinte horas. Quando

estiver à porta, ligo-te e tu desces.

Até logo, meu doce.

Beijos

Miguel


Alguns minutos depois, o sxeu telefone emite um sinal que indica a chegada de uma mensagem. Ao consultá-lo, fica satisfeito ao ver a resposta de Sara.

Para: Miguel

De: Sara


Bom dia Miguel. Fica combinado. Estarei pronta a essa hora.

Até logo.

Beijo

Sara


É um bom sinal ela não ter insistido em levar o carro, é sinal que está disposta a deixá-lo assumir as rédeas desta noite e ele sorri perante essa ideia. Agora, precisa de marcar um bom restaurante, calmo, onde possam combinar a ida ao Porto.

À medida que as horas passam, Miguel toma consciência do quanto o destino conspira a favor deles. É que, hoje é dia 14 de Fevereiro, Dia de S. Valentim e, por isso, apesar das muitas tentativas, não conseguiu marcar nenhuma mesa, em qualquer dos restaurantes que tinha em mente. Não se tinha apercebido do dia que é e, por ser o dia em que todos os namorados jantam fora, ainda por cima a uma sexta-feira, não há forma de fazer uma reserva.

Recusa-se a levar Sara a jantar a um sítio que não seja perfeito, por isso, não pondo sequer a hipótese de desmarcar o jantar, sabe que só há um local, nestas circunstâncias, onde a poderá levar e sabe também que, apesar de não ter sido sua intenção desde o inicio, vai fazer tudo para que este seja o

primeiro de muitos jantares de dia dos namorados.

Assim, de maneira a tornar o jantar perfeito, deixa a StarCom a seguir ao almoço e vai tratar de preparar tudo o que tem em mente.

Quanto a Sara, sai da MOVE mais cedo do que o habitual e, como é costume, percorre os vários quarteirões que a separam de casa, a pé, o que a faz acalmar o nervoso miudinho que tem sentido todo o dia e que tem aumentado à medida que a hora do jantar se aproxima. Cerca das dezassete e trinta chega a casa e tem duas horas e meia para se preparar, física e psicologicamente, para estar com Miguel.

Resolve tomar um banho que a faça relaxar e, enquanto está deitada na banheira a saborear o calor da água e o cheiro suave a alfazema que a envolve, dá por si, mais uma vez, a pensar em Miguel e nas palavras que Beatriz lhe disse na véspera.

Pela cabeça dela passa a história de ambos. Ela recorda como se conheceram há dez anos, quando ela tinha apenas quatorze e ele dezoito anos. De início ela simpatizou com ele e achou-o divertido e atraente, mas como era apenas uma miúda, fez com que a paixoneta que sentiu por ele se transformasse em amizade e, vendo-o com diversas namoradas, tratou de não deixar, que essa paixoneta que a atormentou durante muito tempo, estragasse a amizade que estavam a construir. Desta forma, passaram estes dez anos, cada um com as suas relações e habituou-se a vê-lo apenas como amigo, nunca mais tendo permitido que a paixoneta se voltasse a revelar.

Entretanto, estes dez anos passaram e muitas coisas aconteceram, mas a presença de Miguel na sua vida, foi sempre uma constante e a sedução que ele lhe dedicou tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos.

Sara sabe que está carente devido ao último ano em que se tem mantido longe de relações e de sentimentos que, regra geral, a fazem sofrer e, não sabe se por isso ou pelos avanços mais insistentes de Miguel, sente-se a fraquejar na sua decisão de o manter apenas como amigo. Por outro lado, as palavras de Beatriz fizeram-na questionar, até que ponto, não está a virar as costas à possibilidade de ser feliz.

Neste turbilhão de pensamentos, apercebe-se que está a ficar atrasada quando começa a sentir frio, dentro da água que arrefeceu vários graus, durante a hora em que ali se manteve.

Rapidamente, termina o banho com um duche quente, que devolve a temperatura ao seu corpo arrepiado, e volta ao quarto para se vestir e maquilhar.

Às vinte horas em ponto, tal como combinado, o seu telefone toca.

- Olá Miguel – cumprimenta Sara ao atender a chamada.

- Olá doçura, estás pronta?

- Estou.

- Então desce. Estou à tua espera, à porta do teu prédio.

- Vou descer.

Sara sai do prédio e à porta está o Honda de Miguel, parado à sua espera, com ele fora do carro, pronto a recebê-la.

Miguel, encostado ao carro, observa-a a caminhar na sua direcção e delicia-se com a imagem da mulher linda que tem à sua frente. Sara está fantástica. Decidiu vestir uma saia preta justa, que lhe chega acima do joelho, uma camisola azul clara, ligeiramente folgada, que deixa a imaginação de

quem a observa a trabalhar, numa tentativa de adivinhar o que esconde. Por cima, traz um casaco de aspecto quente e confortável que a envolve e aquece como Miguel deseja fazer e calçou as suas botas de salto e cano alto que lhe tapam parte das pernas e lhe dão um ar de extrema sensualidade.

Miguel sente-se atordoado, mas esforça-se para recuperar a postura e mostrar-se descontraído, que é tudo o que ele não está neste momento.

É a primeira vez que jantam sozinhos e ainda por cima no dia dos namorados. Ele deseja que seja um prenúncio do destino.

- Olá, boa noite – cumprimenta Sara quando finalmente chega junto a ele.

- Olá, - diz Miguel, aproximando-se e depositando dois beijos nas faces de Sara – estás lindíssima!

- Obrigada, - agradece Sara, ao mesmo tempo que aprecia Miguel nas suas calças de sarja azuis escuras e no seu pólo com riscas azuis e verdes, que lhe dão um ar descontraído, mas extremamente sensual – tu também não estás nada mal.

- Obrigado. Vamos andando? – Miguel abre a porta do carro para que ela entre, evitando mantê-la ao frio que, neste dia, é cortante, ainda por cima, tendo em conta que, vivendo, como eles vivem, no Parque das Nações, tão perto do rio, a humidade torna o frio ainda mais desagradável.

- Vamos.

Sara entra no carro e o calor que nele se sente fá-la arrepiar-se. Miguel contorna o carro e entra, a tempo de se aperceber do arrepio dela.

- Tens frio?

- Não, agora estou bem. Foi a diferença de temperatura que me fez arrepiar.

- Se quiseres, posso aumentar a temperatura.

- Não é preciso, estou bem, mas obrigada. Agora diz-me onde vamos jantar?

Neste instante, Miguel fica apreensivo, temendo a reacção de Sara com a sua resposta a esta pergunta, mas não há forma de a contornar, por isso, o melhor é avançar.

- Olha, não sei se sabes que dia é hoje – perante o olhar de confusão dela, ele continua. – Sendo dia dos namorados, e juro-te que só hoje de manhã tive consciência disso, não foi possível fazer qualquer reserva, apesar dos muitos telefonemas que fiz. Ao que parece, toda a gente resolveu jantar fora hoje. Por isso, acabei por resolver o assunto e, se não te importares, jantamos em minha casa.

Sara é apanhada de surpresa e isso nota-se no seu rosto.

- Pois, não me tinha lembrado que dia é hoje, visto que, não tenho motivo para o festejar, nem me lembrei – na sua voz há uma certa tristeza que Miguel está decidido a acabar.

- Se não quiseres, podemos tentar algum lugar. Tentei apenas lugares onde pudéssemos conversar com toda a calma e aí já não haviam vagas.

Sara hesita e no seu rosto está estampada a confusão de sentimentos que lhe passa pela mente. Ela sabe que nestes dias, normalmente, é difícil fazer reservas de mesas, a não ser que se faça com muita antecedência, o que, tendo em conta que o jantar deles foi combinado na véspera, não permitiu essa marcação. Miguel não está a mentir, ela sabe que não, no entanto, tem a certeza que ele se aproveitará desta circunstância e usará todas as suas armas sensuais para a seduzir. Apesar de todos estes pensamentos e dos receios que os acompanham, Sara decide deixar-se de disparates e aceitar a sugestão de Miguel, certa de que conseguirá contrariar as suas investidas, como tem feito até agora.

- Não há problema, podemos jantar em tua casa. Eu não me importo.

- Então vamos – e o carro arranca em direcção a casa de Miguel.

Chegam passados dez minutos, depois de terem estacionado e subido no elevador, até ao último andar. 

Miguel, tal como Sara, Beatriz e Cristina, vivem no Parque das Nações, onde situaram também, tanto a MOVE como a StarCom, o que faz com que a viagem entre as casas de cada um deles seja bastante rápida, uma vez que distam entre si, apenas dois ou três quarteirões.

Quando o elevador atinge o último piso, Miguel condu-la pelo átrio e fá-la entrar em casa. Assim que entram, ele posiciona-se atrás dela e coloca as mãos nos ombros dela, a fim de lhe tirar o casaco para que ela se sinta confortável.

- Põe-te à vontade. Vou preparar um aperitivo para nós, pode ser?

- Sim – diz Sara, enquanto caminha pela sala onde já esteve tantas vezes, mas que, hoje, talvez por estarem apenas os dois, neste dia especial, parece-lhe estranha.

- Já volto – Miguel deixa-a só, para lhe dar tempo e espaço para acalmar a tensão que lhe sentiu.

Sara aproxima-se da janela que dá acesso ao terraço, onde tantas vezes se reuniram todos os amigos e através da qual se tem uma vista privilegiada do rio e da Ponte Vasco da Gama. Apesar da escuridão, ela consegue ter um vislumbre do rio e ver com toda a clareza a majestosa ponte que une as duas margens. É aqui que Miguel a encontra, absorta nos seus pensamentos.

- Toma – diz-lhe ele, interrompendo-lhe os pensamentos – o teu Martini, exactamente como tu gostas.

- Obrigada.

- Está tudo bem contigo?

- Sim, porque perguntas?

- Estavas tão pensativa.

- Estava só a apreciar esta vista magnífica.

- Podemos ir até lá fora, mas para isso tens que vestir o casaco. Isto aqui em cima, em dias como este, fica um pouco agreste.

- É melhor não. Hoje já tive a minha dose de frio. Prefiro apreciar a vista, mas com o calor que está aqui dentro – Sara sorri.

E assim ficam, alguns minutos, a observar o fluxo de trânsito da ponte e um ou outro barco ocasional que passa no rio, ao cabo dos quais, Miguel propõe que se instalem no sofá.

Chegou a hora de pôr Sara a par dos seus planos e fazer com que ela concorde com ele e aceite as propostas que tem para lhe apresentar.

- Então, como estão as coisas na MOVE?

- Continuam animadas – Sara sorri-lhe. – Vamos ver quando é que acalmam. Está toda a gente entusiasmada e os resultados estão a ser fantásticos.

- Fico muito feliz por todas vocês.

- Eu também – ambos riem descontraídos. Os anos de amizade que os unem contribuem para que se sintam confortáveis na companhia um do outro, apesar da energia palpitante que hoje se sente entre eles, mas conhecem-se há tanto tempo que, acabam por reagir com uma aparente normalidade.

- Bom, tendo em conta que andas muito ocupada, imagino que não viste nenhum hotel para ficarmos.

- Não, realmente não vi. Têm sido dias loucos e não tive hipótese de o fazer. Já devia ter olhado para isso, mas foi impossível, desculpa.

- Que disparate! Não tens que pedir desculpa. Eu já imaginava que tu não conseguirias, por isso, propus-te este jantar e, de certa forma, até acho melhor que estejamos aqui em casa pois, assim podemos usar o computador, escolher e fazer já as reservas.

- Sim, é verdade. E tu, já viste alguma coisa?

- Já tenho umas ideias que, depois do jantar, vou mostrar-te.

- Ok. Então e o que vai ser o jantar?

- Fiz umas pernas de frango com maçã no forno, legumes e arroz para acompanhar. Conto contigo para escolher o vinho. Espero que gostes e que tenhas fome.

- Foste tu que fizeste o jantar? – Sara observa-o.

- Sim, sabes que eu gosto de cozinhar. Ir para a cozinha é reconfortante e relaxante. Só espero que te agrade.

- Até hoje sempre gostei dos teus cozinhados. Com toda a certeza, vai agradar-me. Ao contrário de ti, eu detesto cozinhar – diz Sara.

- Eu sei. As tuas amigas costumam gozar contigo por causa de um certo arroz que um dia lhes fizeste.

- Ai, nem me lembres desse arroz. Acho que foi o dia em que percebi, finalmente, que nunca teria talento para a cozinha.

Riem-se, tal como sempre acontece, de cada vez que a sua falta de dotes culinários é mencionada.

Acabados os aperitivos, vão até à mesa da sala de jantar, onde Miguel tem tudo preparado e onde se senta, depois de colocar a refeição.

Enquanto, durante a tarde, preparava este jantar, teve vontade de colocar algumas velas para dar algum ambiente, mas com receio que Sara interpretasse esse gesto como forma de a envolver e seduzir, o que não seria mentira, resistiu ao impulso. Se tudo correr como deseja, terão muitas

oportunidades para jantar à luz das velas.

Jantam com toda a calma e divertem-se, como é costume entre eles. De certeza que, se o jantar estivesse a decorrer num qualquer restaurante, não seria tão agradável, uma vez que se veriam rodeados de casais em clima de romance, o que, no caso deles, poderia ser constrangedor.

Miguel fica satisfeito por ver que, hoje, Sara parece ter recuperado algum apetite e, apesar de não ter comido muito, pelo menos, não se limitou a depenicar a comida do prato, como na véspera.

Depois da sobremesa, em que Miguel ofereceu a Sara uma mousse de chocolate com azeite e flor de sal, que ela adora, decidem instalar-se na sala a tomar o café e a conversar.

- Bom, tal como te disse, já estive a ver alguns hotéis e há um que gostei muito. Fica em plena Ribeira, com uma vista fabulosa para o Rio Douro. Se gostares, podemos reservar esse. O local do congresso não é muito longe dali, o que nos permite ir a pé, se o desejarmos, ou de carro, caso o tempo não esteja bom ou não nos apeteça andar.

- Acho que na Ribeira deve ser um sítio fantástico. Por mim, pode ser. Aliás, por mim, podes marcar o que quiseres. Não costumo ser esquisita nem muito exigente. Só peço que seja limpo e confortável. Se a isso acresceres uma boa vista, eu acho maravilhoso.

- Ok, já vamos então tratar disso, mas, entretanto, surgiu-me uma ideia e quero fazer-te uma proposta – Miguel mostra um ar de miúdo que se prepara para pregar uma partida ou fazer uma surpresa.

- Ui, acho que estou com medo do que aí vem – Sara ri.

- Garanto-te que não tens motivos para ter medo.

Apesar de ser suspeito para falar, dado ter sido uma ideia minha, acho que a ideia que tive e que te quero propor é fantástica.

- Quem vai avaliar, se é fantástica ou não, sou eu, por isso, é melhor começares a falar.

- Certo, então cá vai. Tendo em conta que o congresso começa às nove horas, no dia vinte e sete e termina por volta das dezasseis horas do dia vinte e oito, pensei em irmos para o Porto no dia vinte e seis, ao fim do dia e assim, no dia seguinte já lá estamos e com uma boa noite de descanso, certo?

- Sim, embora tivesse pensado em sair daqui nesse dia, bem cedo, mas é melhor irmos de véspera. Tens razão. Vamos daqui com mais calma e descansamos a noite – concorda Sara.

- Ok, essa parte fica então combinada. Entretanto, estive a pensar e, não sei se conheces alguma coisa do Porto, mas já que lá estamos até sexta-feira, o que achas de prolongarmos a estadia mais duas noites e aproveitarmos o fim-de-semana para dar umas voltas e conhecer a cidade?

Sara, apanhada de surpresa, mais uma vez, fica a olhar para Miguel, sem saber muito bem o que responder. À sua cabeça vem novamente a ideia que Miguel está a seduzi-la e que ela está a deixar-se envolver. Mas assim que pensa nisto, afasta a ideia e garante a si mesma que isso é um disparate

e que, como até agora, pode ignorar a sedução e aproveitar a amizade.

- Então, o que achas da ideia? – Miguel consegue ver a hesitação e a dúvida a atormentarem-na. – Eu mal conheço a cidade e, já que lá estamos, podemos conhecê-la juntos – esta é a prova de fogo que espera passar. Agora está tudo dependente da decisão que Sara tomar.

Após alguma hesitação, à mente dela vêm as palavras que Beatriz lhe disse ontem e então ela decide.

- Pois… não tinha pensado nisso, mas acho uma boa ideia.

- Maravilha! Então vamos na quarta-feira e regressamos no domingo. Vai ser óptimo, sair daqui por uns dias e passear – Miguel está extasiado por Sara ter aceite a sua proposta.

E assim, Miguel tem menos de duas semanas para preparar, com todo o cuidado e detalhe, os dias que Sara aceitou passar na sua companhia, durante os quais, espera fazê-la mudar de ideias quanto à natureza da relação que os une.

Depois de terminarem o café, Miguel senta-se no sofá, ao lado de Sara, com o computador em cima das pernas e mostra-lhe os vários hotéis que esteve a ver. Sara concorda com ele e decidem reservar os quartos no hotel que Miguel já tinha visto, situado em plena Praça da Ribeira e onde, pelas imagens que conseguem ver, terão uma vista fantástica sobre o Rio Douro.

Com os quartos reservados, dão uma vista de olhos pelo mapa da cidade para tentarem decidir o que irão visitar, concluindo que têm pouco tempo para ver tanta coisa.

- O que conheces da cidade? – pergunta Sara.

- Quase nada. Fui lá com os meus pais quando era miúdo e as poucas coisas de que me lembro é da imagem do rio vista do lado de Vila Nova de Gaia, junto às caves, e das pontes. Não me recordo de muito mais. E tu?

- Eu nunca fui ao Porto, por isso, tudo será uma novidade. Há muito tempo que tenho o desejo de fazer um daqueles cruzeiros no Rio Douro, em que o sobem ou descem, mas até hoje não se proporcionou. Se achares bem, acho que devíamos chegar lá e deixarmo-nos levar pela energia da cidade. O que visitarmos será bom, já que temos pouco tempo e não vamos conseguir ver muita coisa.

- Concordo contigo. Vou fazer uma lista dos pontos mais interessantes e visitaremos o que der e o que nos apetecer.

E assim, o resto da noite passa, com uma conversa animada e com os planos das possíveis visitas.

Já passa da uma hora da madrugada e Sara, sem se aperceber, aconchegou-se a Miguel enquanto foi vendo as imagens no computador. Com toda a naturalidade, ele passou-lhe um braço por cima dos ombros e deixou-a acomodar-se. Entretanto, o cansaço da semana apodera-se dela, o que a faz bocejar e torna a sua voz rouca.

Miguel, incapaz de controlar o impulso, pousa-lhe um beijo terno no alto da cabeça e, quando Sara levanta a cabeça para o olhar, os lábios dele apoderam-se dos dela, num beijo que provoca um choque eléctrico a cada um deles, mas nenhum deles recua.

Aparentando naturalidade, quando os lábios se afastam, vendo o constrangimento e a cor apoderarem-se do rosto de Sara, Miguel diz-lhe:

- Bem, meu doce, acho que estás cansada e precisas de ir dormir. É melhor ir levar-te a casa. 

Sem palavras, Sara limita-se a assentir.

Quando está parado à porta do prédio de Sara, para a deixar em casa, antes de ela sair do carro, Miguel aproximase dela, dá-lhe um beijo na face, não querendo pressioná-la mais e, num impulso de última hora, faz-lhe uma proposta.

- Gostaria muito de jantar contigo nos próximos dias. Aceitas o convite?

- Talvez…

- Adorei esta noite. És uma companhia maravilhosa. Na próxima semana combinamos outro jantar. Depois ligo-te.

- Está bem. Obrigada pelo jantar e pela noite, também gostei muito.

- Agradece-me, aceitando o meu próximo convite.

Sara olha-o, sorri e, antes de sair do carro, devolve- -lhe o beijo de despedida, mas sentindo-se atrevida, os seus lábios pousam nos de Miguel, em vez de na face. Miguel não tarda a devolver-lhe o beijo com todo o fervor, ao mesmo tempo que lhe emoldura o rosto com as mãos.

Com esta despedida inesperada, Sara sai do carro, entra no prédio e sobe no elevador até casa. Quando a porta se fecha nas suas costas e é trancada à chave, Sara toma consciência do que acaba de fazer. A dúvida instala-se e ela teme ter feito uma grande asneira.

O beijo que Miguel lhe deu, derreteu o gelo que tem envolvido o seu coração e fê-la desejar por mais. Foi uma noite maravilhosa em que, mais uma vez, Miguel a acarinhou e mimou e, isto é tudo o que ela deseja na sua vida. Ela quer ter um homem ao seu lado que lhe dê carinho, afecto, amor, mas que a respeite e não a magoe e, isso, ela não sabe se haverá algum homem capaz de o fazer.

A forma como o seu corpo se ajustou ao de Miguel, à medida que ela se foi aninhando, foi perfeita. O momento em que ele colocou o braço sobre os seus ombros e a puxou para que ficasse aninhada e confortável, comoveu-a e, só com um grande esforço, ela escondeu as lágrimas que lhe invadiram os olhos.

Mas, apesar de tudo o que sentiu esta noite e que a fez sentir-se viva, uma dúvida não sai da sua cabeça e não pára de a atormentar.

Será Miguel capaz de a fazer voltar a confiar?

Será que, com o beijo que ela acaba de lhe dar, não está a causar o fim de uma amizade?

Será que o seu estado de carência não está a conduzi-la para o caminho errado, dando a Miguel uma informação contrária do que pretende na realidade?

O que é que ela pretende na realidade?

Uma coisa é certa, Miguel tem-lhe proporcionado momentos e sentimentos muito agradáveis, que ela anseia voltar a sentir, mas será que não está a cometer um erro ao baixar a guarda com este amigo? Ainda por cima, um amigo que sempre foi um mulherengo e que sempre se pavoneou à sua frente com todas as suas conquistas, não se coibindo de a seduzir, apesar dessas mesmas conquistas. Miguel só lhe trará mais sofrimento, por isso, o melhor é parar por aqui

e, da próxima vez que se encontrarem, esclarecer este mal-entendido, de uma vez por todas.

Tem que ficar claro para os dois, mas principalmente para ela, que não pode e não vai acontecer nada entre eles.

Por esse motivo, vai aproveitar o próximo jantar, que desta vez será decerto num restaurante, para fazer com que Miguel entenda a sua posição e a aceite. Pelo menos, é o que diz a si própria e é a justificação que arranja para aceitar o convite que ele prometeu fazer.

A apenas três quarteirões de distância, depois de ter deixado Sara à porta do prédio e de se ter assegurado que ela entrava em casa, Miguel está de volta à sua e faz um balanço de tudo o que aconteceu esta noite.

Está feliz com os acontecimentos que, nem nos seus melhores sonhos, poderiam ter corrido tão bem.

A prova de fogo que tanto temia foi ultrapassada com nota máxima, no momento em que Sara concordou, sem grandes hesitações, passar mais dois dias com ele, no Porto. Vão ser dois dias que ele terá que tornar especiais e, com isso, acabar de derrubar a resistência dela que, como comprovou hoje, está cada vez mais frágil.

O seu impulso de a beijar nos lábios, depois de ela ter estado durante horas aninhada nele, permitindo-lhe que a puxasse para que os seus corpos se encaixassem numa união perfeita, poderia ter sido o desastre total. No entanto, isso não aconteceu e ela mostrou-se receptiva ao beijo, que a alterou muitíssimo.

Apesar do constrangimento que lhe sentiu, viu como a cor aflorou às suas faces e a forma como a sua respiração acelerou.

Sem dúvida que Sara está carente e Miguel quer acabar com isso, sendo ele a dar-lhe todo o carinho, afecto e amor que ela merece e precisa, por forma a acabar com a tristeza que, pelas mais diversas vezes, lhe invade o olhar e a impede de ser feliz como em tempos foi.

E por fim, para fechar a noite com chave de ouro, é dela que parte a iniciativa do beijo, que ele devolveu com o maior dos prazeres. Foi uma reacção totalmente inesperada, mas muito bem-vinda. Ele não tem dúvida que este último beijo é consequência do quanto ela se sentiu bem na sua companhia e de como, também para ela, a noite foi agradável. Miguel sente-se feliz por ter sido ele a proporcionar-lhe esta noite.

Há, no entanto, uma coisa que o deixou revoltado, o perceber e sentir o quanto Sara está magoada e, ao mesmo tempo, carente.

Há cerca de um ano que ela está sozinha e que não lhe conhece um relacionamento e isso será consequência da sua última relação que, sem conhecer os pormenores, Miguel sabe que a deixou muito magoada.

Neste momento, ele tem que se concentrar em Sara e na forma como vai continuar a seduzi-la e mimá-la, de maneira a fazer desaparecer a mágoa que ela carrega no coração e no olhar.


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