Reencontro
com o Amor
Capítulo 5
Chegados à Praia do Guincho, João pára o carro e saem para um passeio pela praia. João pega-lhe na mão e vão caminhando pela beira-mar. Parecem namorados de longa data, de mão dada. Tornou-se um hábito e é tão natural. Para além disso, João quer possui-la e tê-la para si, por isso, não consegue estar perto dela sem lhe tocar.
– Conta-me como foram estes doze anos. Quero saber tudo até ao mais ínfimo pormenor.
– Já te disse.
– Quando te digo que quero saber tudo, quero mesmo saber tudo. Não quero essa versão do “nada de especial, viajei muito”. Tenho o dia todo para ti e, se não chegar, continuamos amanhã e depois, e depois, e depois, até que me contes tudo, ok?
– És sempre assim tão mandão?
– Não imaginas o quanto eu consigo ser mandão...
– Ok, vamos então fazer de outra maneira. Tu contas-me os teus doze anos e depois eu conto-te os meus, pode ser?
– Estás a negociar comigo?
– Estou – diz Rita com o seu tom mais decidido.
– Isso implica algo em troca.
– O quê?
– Um negócio implica trocas e, se vamos negociar, tenho que estabelecer as minhas condições desde o início.
– Só podes estar a brincar. Vá, conta tu, primeiro.
– Concordo se prometeres que jantamos no próximo sábado.
– Não sei se posso, talvez esteja ocupada.
Ao ouvir isto, João sente-se tenso e irritado, embora, é um sentimento que sabe não fazer sentido. Rita pode fazer o que quiser com os seus dias e então, entende que é a pontada do ciúme a afectá-lo e, embora com dificuldade, pergunta:
– Um compromisso com alguém especial? – e teme a resposta.
– Sim, poderei ter um compromisso com alguém muito especial – Rita aproveita a oportunidade para o espicaçar pois, não lhe passou despercebida a alteração do semblante de João. Após uns momentos de tortura, acrescenta
– A Beatriz, a Sara e a Cristina estão a pensar passar o fim-de-semana comigo.
– Ah, ok, entendo – exclama João com o alívio estampado no rosto – combinamos para outro dia, então.
– Certo. Depois, combinamos um jantar, está prometido.
– Boa, temos acordo – concorda João. – O que queres saber? Podes perguntar o que quiseres e eu respondo.
– Conta-me o que fizeste depois de me ir embora.
– Não tenho nada de muito interessante para contar. Continuei a estudar, até que terminei o secundário. Entretanto, fui para a universidade e tirei o curso de Engenharia de Telecomunicações e Informática na Universidade Nova de Lisboa. Quando terminei, aproveitei algumas equivalências e, com um pouco mais de esforço, fiz Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico. Terminados os estudos, pelo menos de uma forma oficial, porque a verdade é que passamos a vida a estudar, resolvi fazer o que sempre tinha sonhado. Construí a minha própria empresa e desenvolvi software de comunicação espacial. Concorri a um concurso nos Estados Unidos e ganhei, tendo o meu software sido contratado para a NASA, onde está a ser utilizado agora, quer em terra, quer nas naves que são lançadas. É giro e foi esta oportunidade que alterou, por completo, a minha vida, foi a realização de um sonho. Foi para isto que estudei e lutei estes anos todos. Não fiz nada disto sozinho, tive desde o início o Miguel e o Filipe, sempre comigo. Eles, tanto quanto eu, acreditaram neste projecto, desde o início, e lutámos todos, cada um na sua área, para tornar a empresa no que ela é hoje. Foi assim que apareceu e cresceu a StarCom, comunicações até às estrelas, para nós, as estrelas são o limite.
– É lindo ver a forma como falas, do que foi concretizares este sonho – comenta Rita, ao observar a forma entusiástica com que João fala – Entretanto, com 28 anos, és um homem realizado e rico – brinca Rita com o último comentário.
– Realizado... – repete João enquanto medita nesse significado – sim, pode dizer-se que, profissionalmente sim, mas só dessa forma – e olha Rita nos olhos, como que a deixar mais alguma ideia no ar.
– E como conheceste o Miguel e o Filipe? Ao olhar para vocês, percebe-se que são mesmo amigos. É bonito de se ver.
– Conhecemo-nos na universidade. Embora em cursos diferentes, pertencíamos todos à Universidade Nova de Lisboa e, por isso, encontrávamo-nos com alguma frequência. Fomo-nos tornando amigos e ajudámo-nos em algumas situações complicadas em que nos vimos envolvidos, o que, só contribuiu para tornar a nossa amizade cada vez mais forte e, hoje, somos quase como irmãos e preocupamo-nos uns com os outros.
– É bom ter amigos assim, verdadeiros amigos – comenta Rita.
– Sim é, de facto. São verdadeiros amigos que tenho, tal como tu tens a Bea, a Cris e a Sara.
– Sim, são mesmo verdadeiras amigas. Amigas de uma vida e que muito me apoiaram apesar da distância.
Com estas palavras e, sem que se dê conta, Rita fica em silêncio e absorta nos seus pensamentos. João observa-a e percebe, naquele instante, que algo muito forte perturba Rita e ele está decidido a descobrir o que é.
– E em relação a elas, mantiveram contacto? – inquire Rita, quebrando aquele momento e tentando, a todo o custo, afastar os pensamentos que a atormentaram.
– Sim, fomos falando com alguma frequência, mesmo depois de eu já estar na faculdade. Sempre gostei muito de todas vocês e, falando com elas, era a forma de ir tendo algumas notícias tuas e saber por onde andavas, o que fazias,
enfim, matar alguma da necessidade que tinha de ti. Tive muitas saudades, sempre gostei muito de ti, sabes isso, não sabes?
– Espero que não tenham sido indiscretas e, com certeza, terás arranjado algumas formas para te distraíres – tenta Rita brincar, mas sente-se tensa. O que terão as suas amigas, contado a João? Até onde terão chegado?
– Não te preocupes porque nunca me contaram nada muito importante e, garanto-te que nunca tive ninguém na minha vida que me distraísse, ao ponto de te esquecer.
Mais uma vez, João constata a tensão de Rita, o que só serve para espicaçar a sua curiosidade.
– Mentiroso! Com esse charme e esses olhos verdes, deves ter partido muitos corações, aposto – diz Rita, constatando que esta afirmação conseguiu deixá-la, algo desconfortável.
– Aposto que não tantos como tu, uma morenaça linda, solta por essa Europa fora. Só de pensar nisso, fico com vontade de... – e com estas palavras sussurradas, João pára à frente de Rita, emoldura-lhe o rosto com as suas mãos
e apodera-se da sua boca, primeiro, com um leve toque e, em seguida, possuindo e devorando, transmitindo-lhe que, a partir de agora, ela é só sua. Imaginá-la a ser beijada, tocada, possuída por outro homem, está a enlouquecê-lo. Após um
beijo desesperado por posse, João toma-a nos seus braços e abraça-a com força, ao que Rita, se deixa envolver naquele abraço e pousa a cara naquele peito musculado e que cheira tão bem.
Contra todos os seus esforços para se manter imune aos sentimentos, Rita sente-se bem neste abraço e com os braços de João a transmitirem-lhe uma sensação de segurança que, há muito tempo, não sentia.
Após uns momentos abraçados, Rita sobressalta-se, quando uma onda lhes atinge os pés e, nesse momento, João enlaça-a pela cintura e levanta-a a fim de evitar que fique mais molhada. Já afastado da rebentação das ondas, pousa-a
e ao olhá-la nos olhos, diz-lhe:
– ... fico com vontade de te beijar muito e de bater em alguém que se aproxime de ti.
– João,... por favor... pára – pede Rita num tom quase inaudível e completamente desesperada por impor alguma distância entre ambos, de forma a conseguir que o seu cérebro possa funcionar convenientemente, coisa que, não é
capaz com aqueles braços, olhos e lábios a atormentarem-na.
A contragosto, João afasta-se um pouco, mas mantém a mão de Rita na sua, resolvendo mudar o rumo dos acontecimentos, para aliviar a tensão e confusão que sente nela. Ela será sua mas, para já, não a quer pressionar demasiado.
– Ok, agora já sabes tudo sobre mim, por isso, chegou a tua vez, – diz-lhe João, ao mesmo tempo que a conduz para uma zona da praia mais elevada, onde se sentam na areia – podes começar. Estou confortável e pronto para te ouvir.
Rita senta-se na areia, tentando manter alguma distância entre ambos e, olhando fixamente para as ondas, no seu vai e vem, inspira e inicia a sua história, medindo cada palavra a dizer, para não revelar mais do que acha necessário. João é muito perspicaz e há acontecimentos marcantes que Rita quer que sejam passado e, que aí fiquem pois, trazê-los à sua memória ainda lhe causam muita dor. Ela não está preparada, nem disposta, a partilhá-los com ninguém, muito menos com João que, desde que se reencontraram, a tem deixado tão baralhada e inquieta.
– Bem, o que posso dizer-te? Na realidade não há muito a contar. Saímos de Portugal, rumo à embaixada de Portugal em Roma, onde estivemos cerca de dois anos e meio. Hoje, posso dizer que a minha adaptação, em Roma, de início, parecia correr bem mas, ao fim de dois anos e meio, o meu pai, cansado da minha inadaptação, resolveu pedir transferência e surgiu a oportunidade de irmos para Berna e, assim fomos. Estivemos três anos e meio em Berna e, após isso, fomos para a embaixada em Londres, onde tenho estado até agora. E agora resolvi voltar e quero ficar em Portugal.
– Porque não te adaptaste em Roma, o que aconteceu?
– Nada de especial – responde Rita após alguma hesitação, na qual, João consegue detectar que há algo escondido por detrás daquelas palavras, caso contrário, os seus olhos não teriam perdido o brilho e, João não notaria,
mais uma vez, a expressão triste que Rita apresenta em certos momentos. – Eu costumo dizer que deve ter sido a idade, afinal de contas, estava a entrar na adolescência e tinha deixado os meus amigos, todos, para trás. Não foi
fácil e são tempos que não quero recordar e falar. Detestei e, ainda hoje, me recuso a voltar a Itália – responde Rita com a dor estampada no rosto.
João recorda as suas amigas comentarem, vagamente, que Rita não estava bem e que estaria a passar por problemas complicados, mas nunca a sua curiosidade tinha sido satisfeita e, agora, está cada vez mais curioso e decidido
a descobrir o que se passou em Itália.
– Então e que tal Berna? – pergunta João, afastando Itália da conversa.
– Em Berna foi tudo muito agradável, desde a cidade, ao Rio Aare, onde passei horas a fio a tentar acalmar a minha adolescência – diz, esboçando um sorriso. – Adorei a Suiça. No Inverno, íamos sempre até aos Alpes, a St. Moritz e foram dias fantásticos. Tenho algumas saudades da Suiça – diz Rita, com o brilho, de novo, nos olhos o que permite a João perceber o quanto Rita foi feliz enquanto esteve na Suiça. – Ao fim de três anos e meio, voámos até Londres. Os meus pais queriam-me em Londres para continuar os estudos. Costumamos brincar e dizer que, estar na Suiça era, mais ou menos, como estar numa aldeia do campo, mas aos dezoito anos estava na idade de partir para a cidade e alargar horizontes e, nada melhor do que Londres para isso.
– E de Londres, gostaste? O que fizeste?
– Oh! Londres é Londres, o que há para dizer?
Terminei o equivalente ao secundário e entrei na Middlesex University London para fazer Fashion Design.
– A sério? Fashion Design? – questiona João.
– Sim, porquê?
– Por nada, nunca me passou pela cabeça que fizesses o mesmo que a Bea.
– Não é bem o mesmo. A Bea desenha roupa, eu dediquei-me mais aos acessórios e jóias – explica Rita.
– Uau, mais uma artista – troça João. – E imagino que desenhaste algumas coisas giras.
– Algumas – diz Rita vagamente. – Estar em Londres, apesar de muito competitivo, é um local muito bom para nos dedicarmos à moda e aproveitei para fazer umas coisitas. E pronto, agora aqui estou e já sabes o que fiz nos doze anos
que estive fora.
João passa o braço pelos ombros de Rita, puxa-a para si e pousa-lhe um beijo carinhoso na testa, dizendo:
– E ainda bem que estás de volta. As miúdas, principalmente a Beatriz, de vez em quando, davam-me notícias tuas, o que me deixava cada dia com mais saudades, mas valeu a pena a espera para te ter aqui agora.
Mantêm-se em silêncio, Rita nos braços de João e ambos contemplando o mar, no entanto, há uma questão que não pára de martelar a cabeça de João e ele decide arriscar.
– E deixaste alguém em Londres que possa vir atrás de ti? – pergunta de rompante.
– Não João, não deixei ninguém. Sabes que, com tantas mudanças na minha vida, acabou por não ser muito fácil ligar-me a alguém. Cada vez que eu estava a fazer amigos, era hora de ir embora. Acho que os únicos verdadeiros amigos que tive são os que tenho aqui em Portugal. Talvez, por isso, o meu desejo de voltar e ficar aqui seja tão grande.
– Sim, aqui tens verdadeiros amigos que gostam e se preocupam contigo e, o principal, sou eu – com estas palavras, aproxima-se de Rita e os seus lábios tocam-se com toda a suavidade, num beijo em que João transmite a Rita todo o seu carinho. Há uma sensação de alívio a percorrê-lo, ao ver afastado o fantasma, que tinha criado na sua cabeça, ao imaginar a existência de alguém na vida daquela mulher, que conhece desde sempre e que sempre desejou. Só de pensar em Rita com outro homem, sobe-lhe a bílis e revolve-lhe o estômago, por isso, o que tem que pensar é que, os homens do passado, são isso mesmo, passado, e agora, tanto no presente como no futuro, o homem será ele.
– Bom, e que tal irmos almoçar? Podemos escolher um destes restaurantes à beira-mar e comermos um belo peixe, que achas?
– Boa ideia, estas viagens todas, deixaram-me esfomeada.
Rita e João, levantam-se e seguem até a um restaurante à beira-mar onde, acompanhado de um vinho branco especial, apreciam um peixe ao sal maravilhoso, ao mesmo tempo que desfrutam da companhia e da conversa animada um do outro.
O tempo passa rapidamente e o almoço depressa termina.
– E agora onde vamos? – inquire João.
– Ainda não estás cansado da minha companhia? – pergunta Rita a rir-se.
– Nem um pouco, minha tonta. Diz-me onde queres ir e eu levo-te – ele não se importaria de a levar ao céu a ver as estrelas, mas isso será mais tarde.
– Bom, nesse caso, leva-me a Cascais a passear, – e sussurrando acrescenta – confesso que, desde que cheguei, ainda não fui a Cascais.
– Vamos lá, miúda.
E assim passaram a tarde a passear em Cascais, trocando experiências, gargalhadas e muitos carinhos.
Cada vez que João se aproxima um pouco mais, sente que Rita se retrai, mas ele não vai desistir, só vai precisar de um pouco de paciência e persistência. Mas João é paciente e, ainda mais, persistente e, por Rita, vai valer o esforço.
Ao fim da tarde, João leva Rita a Sintra para ela ir buscar o seu carro e, ao despedirem-se, lembra-a que lhe prometeu um jantar.
– Sim, – Rita dá uma gargalhada – eu janto contigo um dia destes, está prometido e eu cumpro sempre o que prometo. Deixa-me ver a minha agenda e depois combinamos.
João toma-a nos braços, baixa a cabeça e a sua boca encontra a de Rita para a devorar num beijo desesperado pela separação. Ele sente que tem de a saborear, para guardar na sua mente o sabor daquela boca, daqueles lábios, o cheiro doce daquela mulher, para que possa recordar nas horas de tormento em que vai estar longe dela.
Rita começa por resistir àquele beijo, mas sabendo o quão inglória é esta luta, entrega-se naqueles braços e toma aqueles lábios nos seus, enlaçando-o também ela, pelo pescoço, ao mesmo tempo que sente todo o seu sangue a
fervilhar por cada veia do seu corpo. Se não tivesse o braço forte de João a segurá-la na cintura, decerto não se aguentaria nas pernas.
Quando por fim se separam, João abre-lhe a porta do carro e depois de Rita se sentar ao volante, fecha a porta, baixa-se e pela janela, dá-lhe um pequeno beijo nos lábios, dizendo:
– Vai com cuidado. Isto é uma ordem. Fico à espera do teu telefonema – sussurra-lhe. – Adorei este dia contigo.
– Mas que mandão! – brinca Rita.
– Já te disse que não imaginas como posso ser mandão. Vai-te embora, antes que me arrependa e te rapte para te ter sempre comigo – e com estas palavras, o semblante de Rita muda drasticamente, ao que ela vira a cara e mexe na mala a fingir procurar algo, mas João não deixou escapar esta mudança de disposição e o que ele jura ter sido um misto de pânico e pergunta. – Está tudo bem?
– Sim, claro que sim, – tenta Rita disfarçar sem grande sucesso – estava só a procurar a chave de casa, para estar a jeito, quando chegar. Bom, vou-me embora. Depois ligo-te.
– Muito bem, fico à espera.
Rita arranca e, João, apreensivo, resolve segui-la para se certificar que ela chega bem a casa. Algo a perturbou muito e alterou drasticamente a sua disposição, que esteve tão descontraída toda a tarde. João terá de descobrir o que se está a passar, nem que tenha que submeter alguma das amigas comuns a interrogatório.
Mantendo alguma distância, segue Rita até a casa, certificando-se que ela chega bem e aproveitando para fazer um reconhecimento do local. Deixa-se ficar por vários minutos a observar, até que a vê surgir na varanda do primeiro andar e sentar-se numa cadeira, com um livro na mão mas, pelo que consegue ver, esta tarde, o livro não lhe servirá de grande companhia.
Percebendo que ela está, aparentemente, bem, segue o seu caminho até casa onde, com toda a certeza, o jantar vai ser pouco apetitoso e, a cama demasiado grande e vazia. Vão ser umas longas horas até voltar a estar com Rita e, ainda por cima, nem sequer sabe quantas serão, o que o deixa ainda mais inquieto e muito irritado.
Ele está habituado a ter a sua vida toda sob o seu controlo e, toda esta situação, está longe de ser ele a controlar.
Chegados à Praia do Guincho, João pára o carro e saem para um passeio pela praia. João pega-lhe na mão e vão caminhando pela beira-mar. Parecem namorados de longa data, de mão dada. Tornou-se um hábito e é tão natural. Para além disso, João quer possui-la e tê-la para si, por isso, não consegue estar perto dela sem lhe tocar.
– Conta-me como foram estes doze anos. Quero saber tudo até ao mais ínfimo pormenor.
– Já te disse.
– Quando te digo que quero saber tudo, quero mesmo saber tudo. Não quero essa versão do “nada de especial, viajei muito”. Tenho o dia todo para ti e, se não chegar, continuamos amanhã e depois, e depois, e depois, até que me contes tudo, ok?
– És sempre assim tão mandão?
– Não imaginas o quanto eu consigo ser mandão...
– Ok, vamos então fazer de outra maneira. Tu contas-me os teus doze anos e depois eu conto-te os meus, pode ser?
– Estás a negociar comigo?
– Estou – diz Rita com o seu tom mais decidido.
– Isso implica algo em troca.
– O quê?
– Um negócio implica trocas e, se vamos negociar, tenho que estabelecer as minhas condições desde o início.
– Só podes estar a brincar. Vá, conta tu, primeiro.
– Concordo se prometeres que jantamos no próximo sábado.
– Não sei se posso, talvez esteja ocupada.
Ao ouvir isto, João sente-se tenso e irritado, embora, é um sentimento que sabe não fazer sentido. Rita pode fazer o que quiser com os seus dias e então, entende que é a pontada do ciúme a afectá-lo e, embora com dificuldade, pergunta:
– Um compromisso com alguém especial? – e teme a resposta.
– Sim, poderei ter um compromisso com alguém muito especial – Rita aproveita a oportunidade para o espicaçar pois, não lhe passou despercebida a alteração do semblante de João. Após uns momentos de tortura, acrescenta
– A Beatriz, a Sara e a Cristina estão a pensar passar o fim-de-semana comigo.
– Ah, ok, entendo – exclama João com o alívio estampado no rosto – combinamos para outro dia, então.
– Certo. Depois, combinamos um jantar, está prometido.
– Boa, temos acordo – concorda João. – O que queres saber? Podes perguntar o que quiseres e eu respondo.
– Conta-me o que fizeste depois de me ir embora.
– Não tenho nada de muito interessante para contar. Continuei a estudar, até que terminei o secundário. Entretanto, fui para a universidade e tirei o curso de Engenharia de Telecomunicações e Informática na Universidade Nova de Lisboa. Quando terminei, aproveitei algumas equivalências e, com um pouco mais de esforço, fiz Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico. Terminados os estudos, pelo menos de uma forma oficial, porque a verdade é que passamos a vida a estudar, resolvi fazer o que sempre tinha sonhado. Construí a minha própria empresa e desenvolvi software de comunicação espacial. Concorri a um concurso nos Estados Unidos e ganhei, tendo o meu software sido contratado para a NASA, onde está a ser utilizado agora, quer em terra, quer nas naves que são lançadas. É giro e foi esta oportunidade que alterou, por completo, a minha vida, foi a realização de um sonho. Foi para isto que estudei e lutei estes anos todos. Não fiz nada disto sozinho, tive desde o início o Miguel e o Filipe, sempre comigo. Eles, tanto quanto eu, acreditaram neste projecto, desde o início, e lutámos todos, cada um na sua área, para tornar a empresa no que ela é hoje. Foi assim que apareceu e cresceu a StarCom, comunicações até às estrelas, para nós, as estrelas são o limite.
– É lindo ver a forma como falas, do que foi concretizares este sonho – comenta Rita, ao observar a forma entusiástica com que João fala – Entretanto, com 28 anos, és um homem realizado e rico – brinca Rita com o último comentário.
– Realizado... – repete João enquanto medita nesse significado – sim, pode dizer-se que, profissionalmente sim, mas só dessa forma – e olha Rita nos olhos, como que a deixar mais alguma ideia no ar.
– E como conheceste o Miguel e o Filipe? Ao olhar para vocês, percebe-se que são mesmo amigos. É bonito de se ver.
– Conhecemo-nos na universidade. Embora em cursos diferentes, pertencíamos todos à Universidade Nova de Lisboa e, por isso, encontrávamo-nos com alguma frequência. Fomo-nos tornando amigos e ajudámo-nos em algumas situações complicadas em que nos vimos envolvidos, o que, só contribuiu para tornar a nossa amizade cada vez mais forte e, hoje, somos quase como irmãos e preocupamo-nos uns com os outros.
– É bom ter amigos assim, verdadeiros amigos – comenta Rita.
– Sim é, de facto. São verdadeiros amigos que tenho, tal como tu tens a Bea, a Cris e a Sara.
– Sim, são mesmo verdadeiras amigas. Amigas de uma vida e que muito me apoiaram apesar da distância.
Com estas palavras e, sem que se dê conta, Rita fica em silêncio e absorta nos seus pensamentos. João observa-a e percebe, naquele instante, que algo muito forte perturba Rita e ele está decidido a descobrir o que é.
– E em relação a elas, mantiveram contacto? – inquire Rita, quebrando aquele momento e tentando, a todo o custo, afastar os pensamentos que a atormentaram.
– Sim, fomos falando com alguma frequência, mesmo depois de eu já estar na faculdade. Sempre gostei muito de todas vocês e, falando com elas, era a forma de ir tendo algumas notícias tuas e saber por onde andavas, o que fazias,
enfim, matar alguma da necessidade que tinha de ti. Tive muitas saudades, sempre gostei muito de ti, sabes isso, não sabes?
– Espero que não tenham sido indiscretas e, com certeza, terás arranjado algumas formas para te distraíres – tenta Rita brincar, mas sente-se tensa. O que terão as suas amigas, contado a João? Até onde terão chegado?
– Não te preocupes porque nunca me contaram nada muito importante e, garanto-te que nunca tive ninguém na minha vida que me distraísse, ao ponto de te esquecer.
Mais uma vez, João constata a tensão de Rita, o que só serve para espicaçar a sua curiosidade.
– Mentiroso! Com esse charme e esses olhos verdes, deves ter partido muitos corações, aposto – diz Rita, constatando que esta afirmação conseguiu deixá-la, algo desconfortável.
– Aposto que não tantos como tu, uma morenaça linda, solta por essa Europa fora. Só de pensar nisso, fico com vontade de... – e com estas palavras sussurradas, João pára à frente de Rita, emoldura-lhe o rosto com as suas mãos
e apodera-se da sua boca, primeiro, com um leve toque e, em seguida, possuindo e devorando, transmitindo-lhe que, a partir de agora, ela é só sua. Imaginá-la a ser beijada, tocada, possuída por outro homem, está a enlouquecê-lo. Após um
beijo desesperado por posse, João toma-a nos seus braços e abraça-a com força, ao que Rita, se deixa envolver naquele abraço e pousa a cara naquele peito musculado e que cheira tão bem.
Contra todos os seus esforços para se manter imune aos sentimentos, Rita sente-se bem neste abraço e com os braços de João a transmitirem-lhe uma sensação de segurança que, há muito tempo, não sentia.
Após uns momentos abraçados, Rita sobressalta-se, quando uma onda lhes atinge os pés e, nesse momento, João enlaça-a pela cintura e levanta-a a fim de evitar que fique mais molhada. Já afastado da rebentação das ondas, pousa-a
e ao olhá-la nos olhos, diz-lhe:
– ... fico com vontade de te beijar muito e de bater em alguém que se aproxime de ti.
– João,... por favor... pára – pede Rita num tom quase inaudível e completamente desesperada por impor alguma distância entre ambos, de forma a conseguir que o seu cérebro possa funcionar convenientemente, coisa que, não é
capaz com aqueles braços, olhos e lábios a atormentarem-na.
A contragosto, João afasta-se um pouco, mas mantém a mão de Rita na sua, resolvendo mudar o rumo dos acontecimentos, para aliviar a tensão e confusão que sente nela. Ela será sua mas, para já, não a quer pressionar demasiado.
– Ok, agora já sabes tudo sobre mim, por isso, chegou a tua vez, – diz-lhe João, ao mesmo tempo que a conduz para uma zona da praia mais elevada, onde se sentam na areia – podes começar. Estou confortável e pronto para te ouvir.
Rita senta-se na areia, tentando manter alguma distância entre ambos e, olhando fixamente para as ondas, no seu vai e vem, inspira e inicia a sua história, medindo cada palavra a dizer, para não revelar mais do que acha necessário. João é muito perspicaz e há acontecimentos marcantes que Rita quer que sejam passado e, que aí fiquem pois, trazê-los à sua memória ainda lhe causam muita dor. Ela não está preparada, nem disposta, a partilhá-los com ninguém, muito menos com João que, desde que se reencontraram, a tem deixado tão baralhada e inquieta.
– Bem, o que posso dizer-te? Na realidade não há muito a contar. Saímos de Portugal, rumo à embaixada de Portugal em Roma, onde estivemos cerca de dois anos e meio. Hoje, posso dizer que a minha adaptação, em Roma, de início, parecia correr bem mas, ao fim de dois anos e meio, o meu pai, cansado da minha inadaptação, resolveu pedir transferência e surgiu a oportunidade de irmos para Berna e, assim fomos. Estivemos três anos e meio em Berna e, após isso, fomos para a embaixada em Londres, onde tenho estado até agora. E agora resolvi voltar e quero ficar em Portugal.
– Porque não te adaptaste em Roma, o que aconteceu?
– Nada de especial – responde Rita após alguma hesitação, na qual, João consegue detectar que há algo escondido por detrás daquelas palavras, caso contrário, os seus olhos não teriam perdido o brilho e, João não notaria,
mais uma vez, a expressão triste que Rita apresenta em certos momentos. – Eu costumo dizer que deve ter sido a idade, afinal de contas, estava a entrar na adolescência e tinha deixado os meus amigos, todos, para trás. Não foi
fácil e são tempos que não quero recordar e falar. Detestei e, ainda hoje, me recuso a voltar a Itália – responde Rita com a dor estampada no rosto.
João recorda as suas amigas comentarem, vagamente, que Rita não estava bem e que estaria a passar por problemas complicados, mas nunca a sua curiosidade tinha sido satisfeita e, agora, está cada vez mais curioso e decidido
a descobrir o que se passou em Itália.
– Então e que tal Berna? – pergunta João, afastando Itália da conversa.
– Em Berna foi tudo muito agradável, desde a cidade, ao Rio Aare, onde passei horas a fio a tentar acalmar a minha adolescência – diz, esboçando um sorriso. – Adorei a Suiça. No Inverno, íamos sempre até aos Alpes, a St. Moritz e foram dias fantásticos. Tenho algumas saudades da Suiça – diz Rita, com o brilho, de novo, nos olhos o que permite a João perceber o quanto Rita foi feliz enquanto esteve na Suiça. – Ao fim de três anos e meio, voámos até Londres. Os meus pais queriam-me em Londres para continuar os estudos. Costumamos brincar e dizer que, estar na Suiça era, mais ou menos, como estar numa aldeia do campo, mas aos dezoito anos estava na idade de partir para a cidade e alargar horizontes e, nada melhor do que Londres para isso.
– E de Londres, gostaste? O que fizeste?
– Oh! Londres é Londres, o que há para dizer?
Terminei o equivalente ao secundário e entrei na Middlesex University London para fazer Fashion Design.
– A sério? Fashion Design? – questiona João.
– Sim, porquê?
– Por nada, nunca me passou pela cabeça que fizesses o mesmo que a Bea.
– Não é bem o mesmo. A Bea desenha roupa, eu dediquei-me mais aos acessórios e jóias – explica Rita.
– Uau, mais uma artista – troça João. – E imagino que desenhaste algumas coisas giras.
– Algumas – diz Rita vagamente. – Estar em Londres, apesar de muito competitivo, é um local muito bom para nos dedicarmos à moda e aproveitei para fazer umas coisitas. E pronto, agora aqui estou e já sabes o que fiz nos doze anos
que estive fora.
João passa o braço pelos ombros de Rita, puxa-a para si e pousa-lhe um beijo carinhoso na testa, dizendo:
– E ainda bem que estás de volta. As miúdas, principalmente a Beatriz, de vez em quando, davam-me notícias tuas, o que me deixava cada dia com mais saudades, mas valeu a pena a espera para te ter aqui agora.
Mantêm-se em silêncio, Rita nos braços de João e ambos contemplando o mar, no entanto, há uma questão que não pára de martelar a cabeça de João e ele decide arriscar.
– E deixaste alguém em Londres que possa vir atrás de ti? – pergunta de rompante.
– Não João, não deixei ninguém. Sabes que, com tantas mudanças na minha vida, acabou por não ser muito fácil ligar-me a alguém. Cada vez que eu estava a fazer amigos, era hora de ir embora. Acho que os únicos verdadeiros amigos que tive são os que tenho aqui em Portugal. Talvez, por isso, o meu desejo de voltar e ficar aqui seja tão grande.
– Sim, aqui tens verdadeiros amigos que gostam e se preocupam contigo e, o principal, sou eu – com estas palavras, aproxima-se de Rita e os seus lábios tocam-se com toda a suavidade, num beijo em que João transmite a Rita todo o seu carinho. Há uma sensação de alívio a percorrê-lo, ao ver afastado o fantasma, que tinha criado na sua cabeça, ao imaginar a existência de alguém na vida daquela mulher, que conhece desde sempre e que sempre desejou. Só de pensar em Rita com outro homem, sobe-lhe a bílis e revolve-lhe o estômago, por isso, o que tem que pensar é que, os homens do passado, são isso mesmo, passado, e agora, tanto no presente como no futuro, o homem será ele.
– Bom, e que tal irmos almoçar? Podemos escolher um destes restaurantes à beira-mar e comermos um belo peixe, que achas?
– Boa ideia, estas viagens todas, deixaram-me esfomeada.
Rita e João, levantam-se e seguem até a um restaurante à beira-mar onde, acompanhado de um vinho branco especial, apreciam um peixe ao sal maravilhoso, ao mesmo tempo que desfrutam da companhia e da conversa animada um do outro.
O tempo passa rapidamente e o almoço depressa termina.
– E agora onde vamos? – inquire João.
– Ainda não estás cansado da minha companhia? – pergunta Rita a rir-se.
– Nem um pouco, minha tonta. Diz-me onde queres ir e eu levo-te – ele não se importaria de a levar ao céu a ver as estrelas, mas isso será mais tarde.
– Bom, nesse caso, leva-me a Cascais a passear, – e sussurrando acrescenta – confesso que, desde que cheguei, ainda não fui a Cascais.
– Vamos lá, miúda.
E assim passaram a tarde a passear em Cascais, trocando experiências, gargalhadas e muitos carinhos.
Cada vez que João se aproxima um pouco mais, sente que Rita se retrai, mas ele não vai desistir, só vai precisar de um pouco de paciência e persistência. Mas João é paciente e, ainda mais, persistente e, por Rita, vai valer o esforço.
Ao fim da tarde, João leva Rita a Sintra para ela ir buscar o seu carro e, ao despedirem-se, lembra-a que lhe prometeu um jantar.
– Sim, – Rita dá uma gargalhada – eu janto contigo um dia destes, está prometido e eu cumpro sempre o que prometo. Deixa-me ver a minha agenda e depois combinamos.
João toma-a nos braços, baixa a cabeça e a sua boca encontra a de Rita para a devorar num beijo desesperado pela separação. Ele sente que tem de a saborear, para guardar na sua mente o sabor daquela boca, daqueles lábios, o cheiro doce daquela mulher, para que possa recordar nas horas de tormento em que vai estar longe dela.
Rita começa por resistir àquele beijo, mas sabendo o quão inglória é esta luta, entrega-se naqueles braços e toma aqueles lábios nos seus, enlaçando-o também ela, pelo pescoço, ao mesmo tempo que sente todo o seu sangue a
fervilhar por cada veia do seu corpo. Se não tivesse o braço forte de João a segurá-la na cintura, decerto não se aguentaria nas pernas.
Quando por fim se separam, João abre-lhe a porta do carro e depois de Rita se sentar ao volante, fecha a porta, baixa-se e pela janela, dá-lhe um pequeno beijo nos lábios, dizendo:
– Vai com cuidado. Isto é uma ordem. Fico à espera do teu telefonema – sussurra-lhe. – Adorei este dia contigo.
– Mas que mandão! – brinca Rita.
– Já te disse que não imaginas como posso ser mandão. Vai-te embora, antes que me arrependa e te rapte para te ter sempre comigo – e com estas palavras, o semblante de Rita muda drasticamente, ao que ela vira a cara e mexe na mala a fingir procurar algo, mas João não deixou escapar esta mudança de disposição e o que ele jura ter sido um misto de pânico e pergunta. – Está tudo bem?
– Sim, claro que sim, – tenta Rita disfarçar sem grande sucesso – estava só a procurar a chave de casa, para estar a jeito, quando chegar. Bom, vou-me embora. Depois ligo-te.
– Muito bem, fico à espera.
Rita arranca e, João, apreensivo, resolve segui-la para se certificar que ela chega bem a casa. Algo a perturbou muito e alterou drasticamente a sua disposição, que esteve tão descontraída toda a tarde. João terá de descobrir o que se está a passar, nem que tenha que submeter alguma das amigas comuns a interrogatório.
Mantendo alguma distância, segue Rita até a casa, certificando-se que ela chega bem e aproveitando para fazer um reconhecimento do local. Deixa-se ficar por vários minutos a observar, até que a vê surgir na varanda do primeiro andar e sentar-se numa cadeira, com um livro na mão mas, pelo que consegue ver, esta tarde, o livro não lhe servirá de grande companhia.
Percebendo que ela está, aparentemente, bem, segue o seu caminho até casa onde, com toda a certeza, o jantar vai ser pouco apetitoso e, a cama demasiado grande e vazia. Vão ser umas longas horas até voltar a estar com Rita e, ainda por cima, nem sequer sabe quantas serão, o que o deixa ainda mais inquieto e muito irritado.
Ele está habituado a ter a sua vida toda sob o seu controlo e, toda esta situação, está longe de ser ele a controlar.